RELIGIÃO NO CIMENA

Após espírita, a vez é do longa metragem 'Aparecida - o milagre'
     Diante do levante espírita nas telas, agora fortalecido também nas fronteiras do documentário por "As cartas psicografadas por Chico Xavier", de Cristiana Grumbach, que estreiou sexta-feira, 12, no Rio e em outras 14 cidades do país, a chegada da superprodução "Aparecida - O milagre", agendada para 17 de dezembro, pode soar como o prenúncio de uma "guerra santa" no cinema brasileiro. Uma guerra pela atenção de outro nicho de público para além daquele que, em 2010, contribuiu para elevar "Nosso Lar" e "Chico Xavier" - respectivamente com 4.020.099 e 3.414.900 pagantes - ao céu dos blockbusters.
     É a hora e a vez de um arrasa-quarteirão vir atender à demanda da potencial plateia capaz de ser arrebanhada entre os 125.518.774 brasileiros que assumiram o catolicismo como religião oficial para o censo do IBGE. Daí a importância da campanha de mídia já iniciada por Gláucia Camargos, produtora de "Aparecida" ao lado do marido, o cineasta Paulo Thiago, voltada para atrair integrantes de diferentes organizações católicas do país.
     "Bem que eu estava achando estranho a Igreja Católica deixar o espiritismo dominar as telas sem reagir. Desde "Maria, mãe do filho de Deus", com o padre Marcelo Rossi, lançado há sete anos, não se tem um filme católico forte . Agora, um trabalho bem feito pode criar uma jihad (guerra santa) nos cinemas, capaz de aquecer as bilheterias", diz Paulo Sérgio Almeida, do site Filme B, especializado na análise do mercado, citando o longa de Moacyr Góes, visto por 2.342.494 espectadores.
     Mesmo estreando numa data difícil, a semana de véspera do Natal, "Aparecida - O milagre" pode levar o cinema brasileiro de 2010 a superar a histórica marca, registrada em 2003, de ocupação de 22% do mercado por filmes nacionais. Para isso, precisa vender 700 mil ingressos até o fim de dezembro. Com o fenômeno "Tropa de elite 2" (hoje com nove milhões de pagantes), nossa ocupação de tela está em 20%. Falta pouco. "Aparecida" pode ajudar.
     Orçado em R$ 6 milhões, "Aparecida - O milagre" vem com 300 cópias narrar os esforços de um empresário (Murilo Rosa) para salvar seu filho, sob as graças de Nossa Senhora, a quem, por conta de uma tragédia de infância, ele repudiou por anos a fio. Quem assina a direção é Tizuka Yamasaki, realizadora que, entre 1983 (com "Parahyba mulher macho") e 2010 (com "Xuxa em O Mistério de Feiurinha"), viu cinco de seus dez filmes ultrapassaram a barreira do milhão na venda de ingressos.
     "Precisei tratar Nossa Senhora numa abordagem que não frustrasse os católicos. Mas não quis fazer um filme de cunho religioso só para eles. Fiz um filme para entender essa entidade que causa tamanha devoção - diz Tizuka, endossada por Paulo Thiago.
     "Este filme não é uma resposta católica ao sucesso espírita. É um projeto que existe há três anos, antes mesmo de aparecer "Bezerra de Menezes" (longa cearense que iniciou a febre espírita, em 2008). Ele é fruto de um momento de grande religiosidade, que vem em resposta a uma depressão coletiva, ligada até às crises econômicas", explica Paulo Thiago, lembrando que o longa terá uma exibição na 16º edição do Búzios Cine Festival, no dia 26. "'Aparecida - O milagre" não quer provocar briga, ele quer complementar o desejo de espiritualidade do público, e incentivar o ecumenismo sem fazer pregação".
    Ímã de fiéis, o santuário de Nossa Senhora na cidade de Aparecida, locação das sequências de maior impacto emotivo do filme, é um dos eixos de promoção do longa.
     "Lá passam nove milhões de fiéis por ano" lembra Gláucia. "Mas Nossa Senhora causa um fenômeno curioso: ela atrai devotos de outras religiões. Ela quebra barreiras da fé. E o filme abre esse debate".
     A bênção da Igreja, "Aparecida - O milagre" já tem.
     "O cinema ainda é pouco utilizado como mídia de promoção da fé católica. Eu me entusiasmei por "Aparecida" quando ele ainda estava na fase de projeto, por crer que pode revelar um lado desconhecido da fé católica", diz Dom Dimas Lara Barbosa, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "Dos filmes de temática espírita, só vi "Ghost". Mas não é por falta de interesse, e sim de tempo. Uma das motivações ecumênicas é o conhecimento do outro. Existe uma demonização generalizada daquilo que não se conhece. E o cinema pode transformar isso. Se as outras religiões começarem a fazer filmes ligados a suas doutrinas, elas farão o espírito do diálogo crescer".
     No quesito integração, Dom Dimas pensa bem parecido com as cabeças responsáveis pela cifras astronômicas do filão espírita, como Iafa Britz, produtora de "Nosso Lar", cuja sequência já está sendo arquitetada pelo diretor Wagner de Assis.
     "Existe uma ânsia do público por falar em questões existenciais como a morte e o que vem depois dela. Não por acaso até Clint Eastwood fez um filme sobre a comunicação com os espíritos ("Além da vida", com Matt Damon, que estreia em 7 de janeiro). Só acho que essa onda espírita não vai gerar uma contrarreforma religiosa. Não estamos fazendo filmes uns contra os outros. Só estamos contando histórias de fontes diferentes", diz Iafa.
     Refletindo sobre a finitude e a acomodação de perdas em "As cartas psicografadas por Chico Xavier", uma produção de R$ 500 mil, Cristiana Grumbach começou a desenvolver seu documentário em 2004, quando o mundo dos espíritos descansava em paz longe das telas.
     "Tudo é uma questão de palavras: onde falam em oportunismo, eu falaria em oportunidade. Se cobram tanto que o cinema brasileiro se torne uma indústria, é justo que se lancem filmes sobre a obra de Chico Xavier no ano de comemoração de seu centenário", diz Cristiana. "Esse momento me ajuda a mostrar às pessoas a repercussão que o trabalho de Chico teve sobre muitas vidas".
     Próximo longa da frente espírita, "As mães de Chico Xavier", agendado para abril de 2011, é assinado pelo mesmo Glauber Filho que dirigiu "Bezerra de Menezes", em parceria com Joe Pimentel. Seu primeiro longa, gestado e lançado na surdina, surpreendeu exibidores ao somar meio milhão de pagantes. Espera-se mais de seu novo trabalho.
     "A temática transcendental sempre fez parte da indústria cinematográfica mundial. Tenho a impressão de que ela será também permanente no cinema nacional", diz Glauber. "Encontramos um caminho possível para isso. E ele pode fortalecer a nossa indústria".
Data: 14/11/2010
Fonte: O Globo

Comentários