A ÉTICA NA FORMAÇÃO PASTORAL


fonte :

Ariovaldo Ramos

A batalha pelo ser humano, nesta era pós cristã, dar-se-á no campo da ética.
 Não só porque o que está em pauta é a questão das finalidades, mas, também,
 porque é único campo onde as forças pró ser humano podem travá-la. A globalização 
já decidiu o rumo da vida humana nos campos econômicos e sociais, a
 sociedade já está estruturada de modo irreversível, independente das
 forças que assumam o poder nas nações, pois, o que está em curso é 
supra-nacional. Resta, portanto, o campo da ética.

Se não formos capazes de entrentar esses dilemas, talvez a sobrevivência
 do ser humano em nosso planeta se torne impossível." Isto porque desde
 Hobbes, a economia de mercado passou a ser considerada um sistema 
neutro de produção de riqueza onde a justa distribuição desta não está 
em pauta. Essa lógica cruel gerou um nível de desigualdade social
 insuportável, fragilizou as economias emergentes, como, estarrecidos,
 estamos assistindo, comprometeu o ecosistema. Estamos frente a um
 dilema básico: "a relação entre eficiência e justiça: uma batalha ética.
Todas essas contribuições nos remetem para a necessidade da ética na
 formação pastoral, pois, como agente propagador e construtor do 
Reino de Deus, o pastor é, eminentemente, um propalador da ética, ou,
 talvez, devessemos dizer de éticas. O Reino de Deus se propõe a ser a
 casa do homem onde o humano se concretiza. José Adriano Filho, 
em seu texto: "Denúncia dos causadores da ruína do povo"
 (Tempo e Presença n# 295) chama atenção para o fato de que o 
movimento profético dos séculos VIII e VII A.C. caracterizou-se, 
marcadamente, por essa pregação ética levada a efeito por meio da 
denúncia que, evocando o pacto, fazia lembrar a nação que o Deus da 
Bíblia é o Deus dos e pró pequeninos. Além da denúncia, o pastor deve
 compreender que o pastorado, mais do que o cuidado pastoral da ovelha,
 enquanto indivíduo, tem de se caracterizar pela construção de modelos
 comunitários que exemplifiquem o que deve ser a casa do homem, isto 
é, que sejam paradigmas éticos. "Não se pode esconder uma cidade 
edificada sobre o monte" (mt 5.14), disse Jesus. O mesmo que, reiteradas
 vezes, pronunciou: "eu, porém, vos digo" numa campanha pela compreensão
 da ética proposta por Deus.
O pastor precisa aprender que atuação da igreja passa pela proposição
 de caminho que oriente o ser humano em seu devir pessoal e social. 
Que soberania divina, eleição, predestinação não têm nada a ver com
 fatalismo ou determinismo. O ser humano é co-agente da história, 
por isso será julgado. O homem é responsável. É preciso compreender
 o papel da graça comum, que torna a vida e o progresso possíveis 
enquanto se desenrola a história da salvação. Ainda que a perfeição não
 seja passível de ser alcançada, a melhoria, o aprimoramento social o é.
 A salvação tem de ser apreendida em seu papel social, pois salvação
é sempre para e não apenas por.
A ética tem de ocupar papel preponderante na formação pastoral,
 além do exposto, por ser categoria teleológica, ou seja, por fazer 
parte do capítulo que trata das finalidades. Por quê e para o que somos.
 E esta é a matéria prima da teologia, esta só existe na forma que a 
conhecemos porque o ser humano perdeu a capacidade de responder
 essa questão. É claro, portanto, que o ministério pastoral é pró-ética,
 uma vez que não faria sentido falar de conversão se não houvesse para
 onde ir, ou melhor para onde voltar. É claro, também, que isso afeta 
o todo humano: o indivíduo, a sociedade, a política, a economia, a 
cidade, o campo - todos os componentes do ethos, da casa humana.
O evangelho que ora assistimos é antiético, não constrói casa alguma, 
na medida que promove o individualismo alienante, a irresponsabilidade
 social e histórica, nesse sentido atenta contra a solidariedade e, quando 
age socialmente, opta pelo paternalismo da assistência social que não 
conscientiza, não desperta companheirismo e comunidade, nem promove
 libertação. Não se dá conta de que há uma ação perversa de alienação
 em curso, cujo objetivo é fazer os pequeninos converterem-se não só 
aos seus opressores como aos meios de opressão; realidade, essa, muito
 bem retratada por Chico Buarque na letra:
"A novidade que há no brejo da cruz,
são as crianças se alimentarem de luz.
(...)
Mas há milhões desses seres que se disfarçam tão bem.
Ninguém pergunta de onde essa gente vem.
(...)
Já não se lembram que há um brejo da cruz,
que eram crianças, e que comiam luz."
Ou a ética faz parte da educação teológica ou teremos um evangelho antiético, antihistória e escravizador por individualista que será.

Ariovaldo Ramos - Teólogo e Pastor da Igreja Cristã Reformada e Missionário da SEPAL.


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